A reforma tributária que precisamos

Reforma tributária e unificação de impostos

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que busca reduzir a complexidade do sistema tributário brasileiro – a chamada Reforma Tributária (RT) – têm gerado um grande debate político, setorial e na sociedade civil em geral. Positivamente, as duas propostas (PEC 45/2019 e PEC 110/2019) que estavam em discussão na Câmara dos Deputados e Senado Federal (ver box) têm uma base ampla de abrangência de bens e serviços, com legislação e alíquota uniforme em todo o Brasil e vedam, portanto, cobrança no destino de consumo, concessão de benefícios fiscais e prazos - situação que assolou diversos Estados durante os anos 90 e 2000 para atração de investimentos. Negativamente, cada PEC apresenta um prazo diferente de transição e o mais importante: ainda não se sabe qual será o valor das alíquotas. Diversos estudos e análises indicam alíquotas de 25% no modelo da PEC 45/2019 e de mais de 26% para a PEC 110/2019. Recentemente, um novo estudo aponta que a alíquota pode chegar a mais de 28%, colocando o Brasil como o país com a maior alíquota de IVA do planeta. No dia 7 de julho de 2023, a Câmara dos Deputados aprovou o texto previsto na PEC 45 que agora está em apreciação no Senado Federal. Vejamos alguns pontos aprovados.

Diferenciação de alíquota é necessário?

Um dos pontos de destaque foi a inclusão, pela Câmara dos Deputados, de alíquotas diferenciadas (reduzidas) para diversos produtos e insumos agropecuários, alíquota zero para alimentos e bebidas da cesta básica e diferenciação para serviços de transporte, educação, dispositivos médicos e saúde da mulher. Todos esses pontos ainda exigem atenção e devem ser determinados via Leis Complementares – o que abre espaço para inúmeros desdobramentos. Para ajudar a entender os impactos dessa diferenciação de alíquotas, o Centro de Estudos do Agronegócio da FGV (FGV Agro) elaborou uma análise considerando um cenário de alíquota única de 25%, com diferenciação de 70% para as atividades mencionadas. A conclusão é de que neste cenário, em comparação a um cenário com alíquota de 25%, sem diferenciação, teríamos uma inflação cerca de 12% menor. Isso significa que a diferenciação de alíquotas é fundamental para manutenção da produção, demanda e competitividade das cadeias agropecuárias. Outro resultado fundamental é o da cesta básica: zerar os impostos desse grupo gera quase 20 p.p. de queda no custo real dos alimentos para a população com a implementação total da RT – o cenário com alíquota 25% sem diferenciação gera um aumento de 4,9% nos preços da cesta básica, enquanto o preço cai 13,9% no cenário com diferenciação.

O cenário internacional

Uma política tributária, como a RT, afeta a competitividade da agropecuária através de impactos sobre custos e renda das atividades, investimentos em terra e tecnologia, uso de insumos e até mesmo a adoção de práticas de manejo sustentável da produção. Sabendo isso, diversos países do mundo, que adotam alíquota do tipo IVA, também adotam alíquotas diferenciadas para a produção agropecuária, seus insumos, bem como alimentos e bebidas (Tabela 1). Segundo a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) países que não praticam diferenciação dos produtos agropecuários são exceção, como é o caso do Chile, Dinamarca, Estônia, Japão e Nova Zelândia. Ou seja, os grandes competidores do Brasil em mercados internacionais não estão nesta lista de exceção. Como constatado no estudo do FGV Agro, a redução de alíquota reduz a pressão de aumento dos preços da produção e ainda pode aumentar a demanda para os produtores. Ao mesmo tempo, os consumidores são os principais beneficiários desse tipo de política de diferenciação.

Haverá aumento de preços?

O processo de transição será complexo e vai exigir de todos nós a convivência com dois sistemas tributários até que a alíquota única seja integralmente implementada. Naturalmente, as empresas irão se proteger de eventuais créditos tributários não compensados – o chamado resíduo tributário – passando esses custos à frente em suas cadeias. Esse processo pode gerar uma pressão permanente sobre os preços. Neste sentido, em uma outra análise do FGV Agro, o cenário com RT foi comparado ao cenário onde a RT não acontece (manutenção do sistema tributário atual). Assim, a adoção de uma alíquota de 25%, sem diferenciação para cesta básica e produtos agropecuários, deve gerar uma inflação acumulada de 12,3% até 2030; enquanto uma alíquota de 30% geraria 19,4% de inflação. Em outras palavras, esse resultado representa uma inflação persistente de pelo menos 1% a.a. – tudo o mais mantido constante – até 2030. Obviamente, a inflação aumenta quanto maior for a alíquota única, pressionando ainda mais a autoridade monetária para controle da inflação.

Afinal, qual alíquota precisamos?

A resposta é a chave que destrava a Reforma Tributária. Nossos legisladores também não têm essa resposta e algumas instituições ligadas ao Governo divulgaram seus números. A alíquota que precisamos é aquela que deixa o Governo neutro após a reforma, ou seja, o Governo segue com o mesmo perfil de gastos e arrecadação interferindo o menos possível nas decisões de consumo e produção. Ao apontar para o mercado uma alíquota exacerbada – podendo passar dos 28% – a dose do remédio pode se tornar um veneno, intoxicando o sistema e colocando a razão carga tributária / PIB em patamares sem precedentes. O setor agropecuário, com suas diversas lideranças e representantes, deve ficar atento sobre essas discussões para garantir a competitividade e preços do agronegócio, e sobretudo alimentos acessíveis à mesa dos brasileiros.

O que devemos ficar atentos?

À medida que se adicionam exceções ao texto principal da RT aumenta-se os rumores de elevação da alíquota única – afinal alguém precisa pagar a conta. Esse tipo de discussão altera o foco principal da proposta que é de simplificar e racionalizar o sistema tributário e aumenta a tensão entre diversas atividades econômicas e instituições. A questão dos fundos ligados a benefícios de ICMS com cobrança na origem fere a base da PEC 45/2019 e deve ser amplamente discutido; a manutenção e ampliação dos benefícios na produção de alimentos e bebidas da cesta básica; manutenção e ampliação dos benefícios para a compra de insumos agropecuários. Esses pontos são tão relevantes que a grande maioria dos países da OCDE adotam tais medidas.

A PEC em poucas palavras

A PEC aprovada pela Câmara dos Deputados em julho, e agora em discussão no Senado Federal, pretende substituir cinco impostos que incidem atualmente sobre os bens e serviços - PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS - por apenas um novo tributo sobre o valor adicionado, mais conhecido como imposto do tipo IVA. Especificamente, o texto aprovado pela Câmara prevê a adoção de um IVA-Dual, um tributo com competência federal, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e outro tributo de competência estadual/municipal, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), adicionalmente, a criação de um imposto seletivo (IS) que poderia incidir sobre bens e serviços que geram externalidades negativas como produtos do fumo, bebidas alcoólicas, defensivos químicos e etc.

O modelo desenvolvido pelo FGV Agro

Para o estudo em questão foi desenvolvido um modelo socioeconômico capaz de reproduzir os efeitos da RT sobre diversas atividades econômicas e consumidores. O modelo considera a economia brasileira com 52 atividades de produção – 13 agropecuárias, 3 de extrativismo vegetal e mineral, 14 de alimentos e bebidas, 12 de transformação e 10 de serviços. As alíquotas efetivas consideram o pagamento de ICMS, IPI e OILS em cada produto do sistema de contas nacionais. A demanda de bens e serviços é composta por despesas do Governo e despesas privadas das famílias distribuídas em 11 classes de renda. Os cenários da RT consideram diferenciação de alíquotas e imposto seletivo para produtos do fumo e bebidas alcoólicas. A alíquota única afeta custos de produção, investimentos, e demanda final dos consumidores o que gera um novo equilíbrio econômico entre oferta e demanda para todas as atividades da economia. No novo equilíbrio é possível estimar as mudanças em volume e custos de produção, arrecadação tributária e variáveis macroeconômicas, como o consumo agregado das famílias, inflação e o Produto Interno Bruto (PIB).

Cicero Lima
Cicero Lima
Research Economist
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